A vergonha já não é o que era.
Antigamente, isto é, aqui há uns anitos, tinha-se e sentia-se vergonha por olhar para os tornozelos de uma rapariga e muito mais vergonha se tinha se se tive a mínima ideia de aldrabar o professor numa aula ou até de copiar qualquer coisa, que fosse à descarada.
Na verdade, era preciso ter vergonha para se ter vergonha.
Os tempos mudaram e a vergonha já não é o que era.
Agora está na moda o não ter vergonha seja onde for, mesmo que seja na cara.
Agora está na moda mostrar a toda a gente que não ter vergonha é o correto, o certo, o bom, o verdadeiro e tentar mostrar a qualquer um que se tem vergonha não merece da parte de ninguém qualquer estima e consideração.
O vulgar dos cidadãos ainda sente um ruborzinho na cara se se atreve a pensar fazer alguma coisa que possa indiciar a existência de alguma vergonha.
Este vulgar cidadão nunca terá a hipótese de ser eleito deputado e vir a ser secretário de estado ou até ministro e nunca jamais em tempo algum poderá pensar vir a ser primeiro-ministro ou até vice-primeiro ministro.
Isto não está ao alcance de quem sinta algum rebate na consciência quando é levado a pensar que alguém empossado responsável político de qualquer estrutura mesmo governamental não tem vergonha na cara quando diz e faz alguma sacanice ao povo.
O verdadeiro servidor político não tem tempo para sentir vergonha do que diz ou do que faz, pela simples razão que não tem consciência de estar a desgraçar seja quem for.
Pelo contrário, sente uma profunda alegria por ter a oportunidade de ser dispensado de ter vergonha e possa dizer e fazer aquilo que entende ser seu dever patriótico para lixar a populaça.
É preciso estar dispensado de ter vergonha para poder a qualquer momento e em qualquer altura desdizer o que disse e afirmar docemente que a Pátria e a Nação exige não ter vergonha nem qualquer remorso por roubar, assaltar, espoliar, gamar uma cambada de imbecis que não entendem que o político dispensa a ética e a moral para bem do serviço público.
O bom servidor político será sempre aquele que não pode ter preocupações de procurar fazer o mais difícil e procurar as soluções mais justas e que menos prejudiquem os mais fracos, os mais débeis ou, na sua linguagem, os mais malandros e mais idiotas e imbecis.
O bom servidor político será sempre aquele que não tem remorsos por fazer o mais fácil, mesmo que o mais fácil seja abocanhar o que está prestes a servir de alimento a um desgraçado qualquer.
O bom servidor político será sempre aquele que nunca se poderá comparar a um ladrão ou assaltante de bancos, os quais têm o seu trabalho e assumem os respetivos riscos, enquanto aqueles roubam e assaltam as bolsas dos pobres e dos remediados sentadinhos no gabinete sem receio de sentir o mínimo de vergonha, porque essa, sempre se disse, era verde e o burro comeu-a…
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