3.8.13

A irrevogabilidade

- Que brincadeira vem a ser esta com uma carta de pedido de demissão irrevogável numa altura em que toda a gente nos quer ver pelas costas, depois de uma outra carta com a demissão do gasparzito?

- Desculpa lá o mau jeito, mas depois da primeira tinha que vir a segunda e para não vir a terceira esta segunda só pode ser irrevogável.

- Olha, tenho uma informação para ti sobre este assunto e antes que a saibas pelos jornais já te vou adiantando que o mandachuva não aceita pedidos de demissão irrevogáveis, pelo que a tua carta continua aqui na minha mesa à espera de uma melhor oportunidade para a mandar para o cesto dos papéis, o que me faz pouca diferença pelo facto de já ser do conhecimento público…

- Pois é, mas trata-se de um pedido e de uma demissão irrevogável, pelo que o problema está nas tuas mãos, mesmo que haja uma crise do caraças por causa desta minha demissão…

- Mas há outra, já que falas desta…?

- Haverá outra se esta deixar de ser irrevogável.

- Dorme lá sobre o assunto e mete na tua cabeça que o mandachuva diz que a palavra irrevogável só se aplica a factos, coisas, situações, pensamentos, atos e omissões dele e não admite que haja nesta terra uma outra pessoa que possa utilizar de qualquer maneira a palavra "irrevogável".

- Eh pá, parece que o homem ficou mesmo bravo!

- Ficou mais que bravo e disse-me que ia dizer ao PAÌS que queria um acordo de salvação nacional com os xuxas, pelo que podes ficar em maus lençóis…

- Então, que pensas fazer com isto tudo?

- Nada. Fazemos umas reuniões com aqueles parvalhões para o mandachuva ver, mas com a intenção de os mandar às urtigas como sempre fizemos e depois cozinhamos uma solução, esta sim, irrevogável, para que possas continuar a dar as tuas passeatas a fazer diplomacia económica por esse mundo fora.

- Não pode ser, a minha demissão é irrevogável, mas não inegociável…

- Mau maria. O que é que pretendes com esta?

- Pouca coisa, mas toma lá nota: ser nomeado vice-primeiro ministro, para ser o número dois do governo; ser o negociador de todos os assuntos com a troika; ser o responsável pela reforma do estado e não exijo a gerência dos fundos europeus, porque já tenho um novo ministro para a economia que se encarregará de tudo isso…

- Não queres mais nada?

- Não. Mas repara que vais deixar de mandar coisa alguma no governo em troca de todo o tempo que quiseres para te dedicares a continuar a campanha eleitoral com vista as próximas eleições autárquicas, depois as europeias e depois as legislativas, porque se não te dedicares a isso, levas um chimbalau que só vais parar no Samouco…


 

2.8.13

A mentira substantiva

Excetuando os políticos, principalmente os governantes, muita gente terá aprendido alguma coisa com os acontecimentos dos últimos trinta dias.

Por mim, achei interessante que um comentador televisivo com larga audiência e muita durabilidade no exercício das suas funções tenha atirado aos quatro ventos aquela de "mentira substantiva".

Já conhecia outras expressões sobre a matéria, nomeadamente "mentira virtuosa", "mentira piedosa", "mentira amorosa", "mentirinha", mas estava longe de pensar que também existia a "mentira substantiva".

Tenho notado que o professor anda a fazer um esforço bastante relevante para chegar a conclusões que pouca gente tira a propósito dos atos da governação, tentando encontrar justificações que a maioria do pessoal não entende e não vislumbra no horizonte do bom senso.

Agora estaremos todos à vontade para justificar um ato não verdadeiro com uma não "mentira substantiva", pacificando as consciências de quem tem dificuldade em dizer e aplicar as palavras certas com o significado certo nas ocasiões certas e para os factos reais com realidade objetiva, substantiva e verdadeira, para que não haja hipótese de lavar a porcaria que se fez.

Já sabia que esta coisa da verdade e da mentira tem muito que se lhe diga, pois estamos sempre dependentes do significado e do significante e tudo aquilo que se pode atribuir à linguagem e aos seus estilos e subterfúgios.

Estamos longe de acreditar que a linguagem e o significado das palavras podem justificar tudo e mais alguma coisa, fazendo crer que uma mentira se pode tornar uma verdade pelo simples facto de estarmos perante uma posição de inserir no processo de comunicação o ruído bastante para aceitar como verdade uma meia verdade ou uma mentira.

Se a nossas vidas se resumissem ao "preto" e ao "branco" não valia a pena o esforço de muita gente devotada à cultura e ao conhecimento.

Se nos faltassem os intermédios ficaríamos reduzidos à triste pobreza da impossibilidade de dialogar com quem quer que fosse porque tudo seria incolor e transparente não havendo lugar à criatividade, como essência do pensamento.

Uns dizem que não mentiram?

Outros dizem que não falaram verdade?

Todos estão certos e com razões para estarem convencidos que não mentiram e que não falaram verdade, mas nós temos o direito de pensar que alguém meteu a pata na poça e que saiu com o sapato todo cagado, esperando que não deixasse marcas no pavimento, que está, ainda por cima, bem molhado…

Será justo e adequado aplicar o princípio da dúvida metódica…?