3.2.13

Vamos aguentar

É um porco; é um javardo; é um cretino; é um imbecil; é um sem vergonha, mas não é um sem-abrigo.

Vive lá no alto do seu trono de papel, senta-se lá na sua cadeira do poder, lida com o património dos outros, vive à custa da usura praticada, protege-se à sombra da bananeira da dívida pública, explora quem pouco tem, abusa de quem nele confia, mas este vive na rua sem se preocupar sequer com o que se passa mesmo à sua volta, tão-somente porque já nada espera da vida que tudo lhe roubou, talvez até a dignidade e o desejo de viver.

Mas aguenta, porque já nada tem a perder e nada lhe resta para sentir-lhe a falta no dado momento, como o dia seguinte ou o mês seguinte quando a empresa ou o seu posto de trabalho desaparece como por encanto.

Mas aguenta porque já não tem preocupações sobre a perda do salário, sobre a quebra dos seus rendimentos e o aumento das suas responsabilidades.

Mas aguenta porque não está à espera meses e meses de uma consulta médica, de uma intervenção cirúrgica, de ir à farmácia buscar medicamentos sem dinheiro.

Mas aguenta porque já não se preocupa pelas dívidas das empresas públicas, pelas dívidas das empresas privadas, pelas dívidas do estado e até pelas dívidas de quem quer que seja.

Mas aguenta porque nada disso lhe diz respeito e muito menos respeito lhe diz se os lucros aumentaram, se os lucros diminuíram, se houve fugas aos impostos, se os bancos vivem à custa do estado e da dívida pública e são alimentados pelas influências dos poderosos e pelos depósitos mal remunerados de quem ainda tem um posto de trabalho e uma pensão.

Mas aguenta porque se está nas tintas se um idiota qualquer por mais dinheiro e poder que tenha se lembra de mandar umas bocas foleiras à margem de qualquer bom senso e do respeito pelas pessoas, como se tivesse o direito de fazer comparações completamente absurdas.

Mas aguenta porque já não tem preocupações pelas tendências dos mercados financeiros, pelos ganhos e pelas perdas dos jogos de capitais.

Mas aguenta porque o seu modo de vida e a sua atitude social já nada tem a ver com a existência ricos e de podres, de exploradores e de explorados, de empregados ou de desempregados, de ativos ou de reformados, de recatados e de sem vergonhas.

Mas aguenta porque já não se ofende com este tipo de desvarios saídos de bocas saciadas de tudo e de mais alguma coisa e de carteiras bem recheadas, de depósitos aqui e além-mar em qualquer offshore sem controlo e no maior dos segredos.

Mas aguenta porque gente deste tipo, que não vale um tostão furado, não merece uma bufa seca e nem é digno de um peido falhado, não tem personalidade suficiente para ofender um sem-abrigo.

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