A partir do dia cinco de outubro do ano da graça de dois mil e quinze a tradição tomou conta do imaginário dos políticos portugueses.
Até então era raro chamar a tradição para justificar ou fundamentar comportamentos, acontecimentos, posições e decisões de pessoas e até de instituições.
Não era tradição chamar a tradição para a política quando os decisores políticos tomavam esta ou aquela posição sobre um determinado acontecimento ou situação.
Ninguém se lembrou, até àquele fatídico dia, de apresentar a tradição como processo justificador de termos um país atrasado e miserável.
Ninguém se lembrou, até àquele fatídico dia, de apresentar a tradição como causa e razão suficiente de uma vida inteira a mendigar uma côdea de pão para enganar o estômago e matar a fome...
Ninguém se lembrou, até àquele fatídico dia, para utilizar a tradição para absolver as matanças e os holocaustos que sacrificaram milhões de pessoas em todo o mundo.
Mas agora parece que a tradição já tem pés para justificar e fundamentar um movimento contra o progresso, contra a mudança, contra a alteração, contra tudo o que possa influenciar o desenvolvimento político, social, económico e cultural de um povo.
Parece que a tradição não pode contrariar os movimentos sociais que possam surgir das desigualdades das pessoas, quer se fale da pobreza, da riqueza, da miséria ou da felicidade.
Também parece que a tradição não pode admitir que aconteça agora, porque nunca antes aconteceu, pelo que não pode acontecer mesmo que seja inevitável acontecer.
Na prática, estamos a reduzir a tradição a uma arma de arremesso contra a mudança natural que acompanha o tempo como medida do movimento.
Estaríamos ainda na idade do paraíso do éden se a tradição não admitisse que a mudança e a transformação dos usos e dos costumes fazem parte da formação da personalidade humana.
A propósito de uma situação política que não tinha acontecido nos últimos quarenta anos, mas que aconteceu agora, pretende-se chamar a tradição como argumento contra uma eventual alteração do processo político da nomeação de um governo.
Não sei se é mais triste o argumento e os "argumentantes".
Mas sei que a resistência à mudança é uma das variáveis mais perniciosa para o desenvolvimento de uma sociedade.
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