5.5.18

O osso

Nunca como agora me pareceu tão verdadeiro o dito popular "são sete cães a um osso".
Trata-se de uma guerra sem quartel: de um lado a corporação, do outro o osso que passa de mão em mão como se fora uma folha ao sabor do vento.
É a um, é a três, é a quatro, é a cinco, é a seis, é a sete e é a oito.
Todos a todas as horas  lutam abnegadamente pelo posse do osso e não o largarão enquanto não sugarem tudo até ao tutano.
Não haverá tréguas.
Não descansarão enquanto o osso tiver qualquer coisa onde se agarrarem.
Primeiro utilizam os caninos para desgarrar tudo, para partir tudo, para desfazer tudo.
Depois entram em funções os molares para fazerem em papas e em massa o osso até que não se veja coisa alguma para recordar.
A corporação não tem outra fonte de alimentação que não seja as suas vítimas mesmo que essas vítimas se tenham colocado à mão de semear, que é como quem diz, tenham dado o seu flanco, que é como se estivessem mesmo a pedi-las.
Não contavam com as diligências, com a fome, com a vontade de comer, com a necessidade absoluta de se alimentarem todos os dias mesmo que seja à custa de carne putrefata, malcheirosa e imprópria para consumo.
A corporação não dorme pelo que quem quer que seja não pode correr o risco de se descuidar seja do que for, pois a corporação está atenta ao mais ínfimo sinal de cheiro a comida e, se for fresca, tanto melhor.
Não importa saber donde vem a comida; não importa saber se a comida provém de animal em vias de extinção ou de animal em fase de crescimento.
Para a corporação o que importa é quem come, mas não quem dá de comer.
Seja quem for não tem o direito de enfrentar a corporação, porque esta é o poder supremo.
Assim, quem não tiver em conta o poder da corporação não terá oportunidade de passar anónimo durante muito tempo: a corporação pode demorar, mas chegará a seu tempo.
Assim sendo: a vocação da corporação é o exercício do poder para julgar tudo o que for do seu interesse.
Contudo, está fora do seu âmbito e não demonstra qualquer interesse pela aplicação da pena.
O resto é mera conversa.
  

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