10.5.16

Um mimo

Já que estou numa maré de língua portuguesa vêm-me à memória algumas expressões características ditas, usadas e abusadas por parte de determinado pessoal, quando se ouvem relatos e comentários de qualquer natureza.
Alguns terão presente aquela do "arremesso manual" que nos brindava um certo relator de jogos de futebol. Delirava com tal expressão, pois sempre me questionava como seria um arremesso da bola com o pé ou com a cabeça ou com o tronco, que não fosse um arremesso com as mãos. Não tinha graça nem ciência nem se tratava de uma figura de estilo, mas eu achava piada sempre que chegava aos meus ouvidas  a tal do "arremesso manual".
Bem mais moderna, mas não menos interessante, está aquela que se ouve a um determinado jornalista de comentários desportivos que reza como soa "dá-me a ideia". Trata-se de uma profundidade profunda que me causa calafrios ao pensar que eu posso dar-me um ideia e ter uma ideia ou produzir uma ideia, mas sim a ideia dar-me alguma coisa a propósito de qualquer coisa. Dá-me  ideia que isto está confuso, mas nunca pensei que uma ideia minha me pudesse dar alguma coisa que fosse de terceiros.
De outra natureza gramatical, mas mesmo assim coisa interessante, são as utilizações de significado profundo que muitos faladores da rádio e da televisão fazem dos adjetivos, dos pronomes  e de outras formas gramaticais que abundam na nossa língua portuguesa.
Posso não ter qualquer fundamento, mas não deixo de me interrogar sobre o que vai na cabeça de qualquer falador quando refere que "... estamos no minuto quinze desta primeira parte...", sendo certo que todos sabemos que não há outra primeira parte, mas sim a segunda e até mais partes, mas primeira só há uma e é esta e mais nenhuma.
Há poucos minutos  ouvi ou li "... instituições de educação privada...", ficando curioso sobre o significado da expressão, questionando-me sobre se se tratava de "instituições privadas" de educação ou se se tratava mesmo de "educação privada" em contraponto talvez com "educação pública"...
Uma outra frequente nas bocas de muita gente é aquela coisa do "melhor classificado" ou do "mais bem classificado", como se estivesse tudo certo do ponto de vista gramatical, como "esta ali" e "aquela aqui"...
Como não conheço qualquer novo projeto para uma nova gramática portuguesa, basta-me a consulta de uma das existentes para tomar conhecimento de muitas regras usadas na escrita e na fala da nossa língua, que merece algum respeito, apesar do novo acordo ortográfico...
Um mimo de linguagem.

9.5.16

O acordo do sul

Como nos últimos dias se falou do tal acordo ortográfico a propósito das declarações do pr lá para os lados do sul, com manifestações prós e contras, a matéria não me passou ao lado. Ouvi algumas tomadas de posição sobre o assunto, mas gostei muito de umas proferidas num programa televisivo de comentário político a tudo e a mais alguma coisa.
Um comentador desconhecia que nalguns países o tal acordo já estava em vigor manifestando a devida surpresa, muito provavelmente, pela sua ignorância sobre a matéria que estava a comentar.
Um outro afirmava que a coisa pouco lhe interessava uma vez que o seu corretor ortográfico tratava do assunto aplicando automaticamente o tal dito novo, o que deve ser uma aldrabice, porque se pode optar pelo velho ou pelo novo, a não ser que o corretor não seja o corretor ortográfico de português português...
Outros ainda declararam  que utilizavam o dito novo porque os jornais para os quais escrevem assim os obrigavam, dando a entender que para eles "tanto se me dá como se me dão...", desde que me paguem.
Honra seja feita a quem afirma peremptoriamente que está contra o acordo, mas também a quem se declara incondicional adepto do dito novo e ainda honra seja feita àqueles que se estão nas tintas para os acordos ortográficos, porque nunca escreveram, não escrevem e não
pensam em escrever ou que o importante é a língua e as suas circunstâncias...
Já agora, alguém que me diga qual o acordo ortográfico aplicado nos últimos livros do prémio nobel português para eu saber se a aplicação de qualquer acordo é um direito ou uma obrigação de quem escreve ou se também é um direito ou uma obrigação de quem lê...
Aqueles muitos leitores dos livros do autor do "cus de judas" devem saber perfeitamente que se pode ser um autor altamente reputado e considerado e lido e consumido sem aplicar qualquer acordo ortográfico e, parecendo-me, estar-se nas tintas para os acordos ortográficos e para todos os que discutem, muitas vezes sem conhecimento, estas questões linguísticas que condicionam o desenvolvimento da língua portuguesa, colocando milhões de faladores do português na dúvida sobre o que fazem para se entenderem por esse mundo fora.
Cá por mim, é como calhar e não sei qual o corretor ortográfico que utilizo neste texto, mas quando sei qual é, utilizo o velho ou novo de minha livre vontade e não porque o jornal me obriga a utilizar o novo ou porque não gosto deste e adoro aquele.
Graças aos deuses que os jornalistas faladores e comentadores de microfone e utilizadores do teleponto não têm que se preocupar com estas coisas do acordo...
 

7.5.16

O "então" e o "também"

Os tiques e as expressões linguísticas têm o seu tempo, sucedendo-se umas às outras como se a linguagem fosse sendo  construída num "co ntinuum", sem qualquer razão aparente.
Todos se lembram daquela que correu mundo e seus arredores com origem no porto, atribuída ao pintinho que a imortalizou "penso eu de que...", chegando ainda aos nossos dias com algumas variantes como "tenho a informar de que...", "esclareço de que...", " estou convencido de que...".
Nos primeiros tempos da crise, que ainda continua, viemos a ter conhecimento que o dicionário português contemplava a expressão "resiliência", totalmente desconhecida para mim, sendo que a ignorância era minha, que não podia der atribuída a uma falha do dicionário. Ela estava lá, e lá continua, para que os tecnocratas europeus nos ensinem alguma coisa e justifiquem a sua existência.
Vinda de paris, via sócrates, passámos a usar a expressão "narrativa" para catalogar qualquer coisa que não se sabia bem o que era, pelo que passou a ser "narrativa", principalmente no meio dos comentadores, que gostam muito de narrar as nossas narrativas.
Muito utilizada pelos comentadores e relatores desportivos vamos encontrar uma outra, que é um primado de beleza gramatical, quando pretendem introduzir na frase uma determinada informação ou observação e dizem "...ele que...".
Eu gosto muito desta porque tem a ver com um elevado conhecimento da gramática da língua portuguesa, que pode parecer do desconhecimento da maioria do pessoal que fala português por esse mundo fora e nada melhor que o futebol para chegar a toda a gente que se quer aculturar...
Mas a delícia de todas elas e que está no topo da criatividade e da inovação e da actualidade é o "então" e, em menor escala, o "também".
O  "então" e o "também", usados a torto e a direito, com sentido e sem sentido, a propósito e a despropósito, em qualquer lugar e em qualquer tempo, com significado e sem significado, fazem parte do mundo dos jornalistas de microfone, como se estes fossem pagos pelo número de vezes que nos atiram com tais palavras no tempo de uma reportagem, que muito poucas vezes dura mais que um minuto.
O mais curioso é que lá encontramos uma meia dúzia de vezes estas palavras bem e a propósito utilizadas numa leitura de duzentas ou trezentas páginas de um qualquer livro ou até nos textos lidos por apresentadores de telejornais.
Tudo me leva a crer que que o mundo da fala permite todos os dislates possíveis e imaginários, mas o mundo da escrita é bem mais exigente.
Talvez seja por isto que temos jornalistas de microfone e jornalistas de esferográfica...
Vá se lá entender o significado e a razão destas coisas...
E então?
Às vezes vale a pena mudar de canal...